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Silêncio Que Grita: Um Caderno Desvenda a Agonia da Escravidão em Minas

  • Foto do escritor: Vinicius Monteiro
    Vinicius Monteiro
  • há 2 dias
  • 3 min de leitura
Caderno

Imagine um sussurro vindo do passado, um lamento preso em páginas amareladas. Em Bom Jesus do Amparo, Minas Gerais, um achado histórico raro está emergindo das sombras: um livro de óbitos do século XIX, meticulosamente guardado por quase 180 anos, que escancara a brutal realidade da vida e da morte de centenas de homens, mulheres e crianças escravizadas. Prepare-se para uma imersão tocante em um capítulo sombrio da nossa história, onde cada linha revela o sofrimento, a origem e a luta silenciosa daqueles que construíram o Brasil com seu sangue e suor.


Esqueça os livros didáticos frios e distantes. Este pequeno caderno de capa de couro, preservado com esmero pela família Motta, ecoa os derradeiros suspiros de Maria Martins, vítima de uma sarna implacável e da crueldade de um sistema desumano. Mas a história dela é apenas uma entre muitas. Folhear suas 77 páginas é confrontar a fragilidade da vida escrava, marcada por doenças devastadoras como sarna, lombrigas e sífilis, pela dor lancinante da perda de filhos "inocentes" e pela imposição de ritos religiosos como condição para um sepultamento.



Este documento precioso, que lista cerca de duzentos óbitos entre 1847 e 1877, é um testemunho visceral da principal força de trabalho de Minas Gerais, o estado que mais recebeu africanos traficados durante os quase quatro séculos de escravidão no Brasil. As anotações revelam não apenas a agonia física, mas também a diversidade de origens dessas pessoas, muitas vezes identificadas de forma imprecisa, misturando etnias com os portos africanos de onde foram arrancadas: João de Moçambique, Tereza de Benguela, Camillo do Congo.


Agora, digitalizado e protegido de sua fragilidade pelo restauro cuidadoso, este livro de óbitos se torna uma ferramenta crucial para pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Eles mergulharão nessas páginas para desvendar os segredos do Cemitério dos Escravizados de Bom Jesus do Amparo e iluminar a vida dessas comunidades, uma história fundamental, porém frequentemente negligenciada, na construção da nossa nação.


A existência deste registro é, por si só, um feito raro. Como aponta a historiadora Marcelina das Graças de Almeida, os escravizados eram considerados mercadorias, desprovidos do direito a um sepultamento digno e, consequentemente, de um registro formal de sua existência. Por muito tempo, seus corpos foram simplesmente abandonados, e a preocupação com o enterro surgiu tardiamente, ligada a questões sanitárias e surtos de doenças.


Mas a memória desses indivíduos teima em resistir. O Cemitério dos Escravizados de Bom Jesus do Amparo, onde Maria Martins e tantos outros encontraram seu descanso final, é um patrimônio vivo, tombado pelo Iphan e declarado de relevante interesse cultural para Minas Gerais. Suas paredes de "pedras lagartixa", construídas pelas mãos dos próprios escravizados, ecoam um passado de sofrimento, mas também de resistência.



No entanto, este local de memória está sob ameaça. Projetos de construção de estradas, incluindo acessos a condomínios e uma alça para o futuro Rodoanel, pairam sobre o cemitério, gerando apreensão na comunidade local. O sociólogo Glaucon Durães, do Movimento Salve Santa Luzia, alerta para o risco de apagar o "único registro material da presença da negritude na cidade", um processo de silenciamento que já se manifesta na demolição de senzalas e no desaparecimento de outros vestígios da escravidão.


Não permita que a história seja novamente silenciada. Acompanhe de perto a luta pela preservação deste espaço sagrado, um lembrete doloroso, mas essencial, da nossa trajetória como nação. Descubra os detalhes desta pesquisa fascinante e a mobilização da comunidade para proteger a memória daqueles que foram tratados como mercadorias, mas que deixaram uma marca indelével na nossa identidade.

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