Praticamente Inofensiva Vale a Pena Ler?
- Vinicius Monteiro
- 5 de mai. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: há 1 dia

Se você, assim como eu, se perdeu nas galáxias com Arthur Dent e seus companheiros, se riu das desventuras cósmicas e filosofou sobre o sentido (ou a falta dele) da vida, prepare-se para uma conversa franca. "Praticamente Inofensiva" paira como um enigma ao final dessa jornada que tanto nos cativou. Seria o último abraço caloroso ou um adeus agridoce? A verdade é que essa obra nos coloca em uma encruzilhada de sentimentos, e a decisão de embarcar nessa derradeira leitura exige uma reflexão honesta.
Nesse universo peculiar criado pela mente brilhante de Douglas Adams, somos novamente envolvidos por situações que beiram o absurdo, personagens que desafiam qualquer lógica e descrições que pintam paisagens surreais com uma prosa inigualável. O reencontro de Arthur, Tricia e Ford deveria soar como a reunião de velhos amigos, um brinde às incontáveis peripécias vividas. No entanto, o que se anuncia como um momento de alegria rapidamente se transforma em um cataclisma de proporções cósmicas, arremessando nossos heróis em um turbilhão de perigos iminentes. A promessa de mais uma dose daquele humor inteligente e daquela visão ácida da existência ainda pulsa nessas páginas.
Contudo, confesso que ao virar a última página deste quinto volume, um nó de desapontamento se apertou em minha garganta. "Praticamente Inofensiva", aos meus olhos, parece desviar-se da órbita de excelência que consagrou "O Guia do Mochileiro das Galáxias". Douglas Adams, inegavelmente um gênio das palavras, ainda nos presenteia com lampejos de sua genialidade característica, frases que nos fazem sorrir e reflexões que nos convidam a questionar o óbvio. Reconheço que, mesmo com suas peculiaridades, esta obra ainda se destaca em meio à vastidão da literatura contemporânea.
O hiato de treze anos entre este volume e seu antecessor talvez nos ofereça uma chave para compreender sua singularidade, quase como se fosse uma obra à parte, hesitante em se encaixar perfeitamente no legado da série. Os personagens que encontramos parecem, por vezes, descolados de suas versões anteriores, e a trama segue um curso que raramente se alinha com os eventos que tanto nos marcaram. A participação esporádica ou a ausência sentida de figuras tão queridas intensifica essa sensação de estranhamento, de que algo essencial se perdeu na longa jornada entre os livros.
É impossível ignorar o peso do tempo em sua criação. Treze anos carregam consigo transformações profundas no mundo ao nosso redor, e é natural que um autor tão sensível e crítico como Douglas Adams tenha sido influenciado por essas mudanças. Essa influência, no entanto, por vezes se manifesta de forma dissonante com o tom e a atmosfera que tanto nos encantaram nos primeiros volumes. Há momentos em que a acidez se torna amargura, e a leveza do humor cede espaço a uma melancolia palpável.
Reitero que o talento de Douglas Adams brilha em diversos momentos desta obra, assim como em seus trabalhos anteriores. Contudo, percebi um eco de obrigação em sua escrita, um tom menos espontâneo. O longo intervalo entre os livros pode ter provocado uma metamorfose em seu estilo, uma mudança que se reflete na comparação com a fluidez e a vivacidade que tanto apreciamos nos volumes precedentes. A magia parece, por vezes, vacilar.
E então chegamos ao desfecho... um final que, para mim, se revela particularmente frustrante. Sem entregar detalhes cruciais da trama, devo dizer que a conclusão soa inaceitável, talvez o ponto mais baixo desta jornada. "O Guia do Mochileiro das Galáxias: Praticamente Inofensiva" tropeça na linha de chegada, como uma nota dissonante em uma sinfonia cósmica. No entanto, mesmo em meio a essa decepção, vislumbres da genialidade e do estilo inconfundível de Douglas Adams ainda resplandecem, como estrelas que teimam em brilhar mesmo em uma noite nublada.
Diante dessa complexidade de sentimentos, a pergunta persiste: vale a pena ler "Praticamente Inofensiva"? Minha resposta, ponderada e sincera, é: sim, mas com ressalvas. Se você é um fã incondicional da série, precisa dar a essa obra a chance de completar sua jornada, mesmo que o final agridoce deixe um gosto amargo. Há momentos de puro Adams que ainda valem a leitura, lampejos daquele humor inteligente e daquela visão perspicaz do universo. No entanto, vá com a expectativa ajustada. Encare "Praticamente Inofensiva" como um epílogo agridoce, uma nota final que talvez não alcance a perfeição dos seus antecessores, mas que ainda carrega a marca inconfundível de um dos maiores gênios da literatura de ficção científica. É uma despedida, ainda que imperfeita, de um universo que tanto nos ensinou a rir das nossas insignificâncias cósmicas.
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