O Retrato de Dorian Gray (1945) Vale a Pena Assistir?
- Vinicius Monteiro
- 2 de abr. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: há 2 dias
Você venderia sua alma pela eterna juventude? "O Retrato de Dorian Gray" nos lança nessa sombria barganha vitoriana, onde a beleza esconde a mais profunda corrupção. Mas será que essa adaptação cinematográfica clássica ainda ressoa com a mesma intensidade perturbadora da obra de Oscar Wilde? Prepare-se para desvendar os segredos por trás da tela.
Mergulhamos na opulenta e hedonista sociedade londrina do século XIX, acompanhando o jovem e ingênuo Dorian Gray (vividamente interpretado por Hurd Hatfield) sob a nefasta influência do astuto Lorde Henry Wotton (encarnado com desenvoltura por George Sanders). Cativado pela beleza efêmera do rapaz, o talentoso pintor Basil Hallward (Lowell Gilmore) decide imortalizá-lo em um retrato. Fascinado pela perfeição de sua imagem, Dorian profere um desejo fatídico: anseia pela eterna beleza da tela, oferecendo, em um ato de vaidade, sua própria alma em troca. A partir desse instante, uma estranha metamorfose se instala: os pecados e a velhice que deveriam macular Dorian são misteriosamente transferidos para o retrato, que se torna um espelho horripilante de sua degradação moral e física, enquanto ele permanece inalteravelmente jovem e belo, ocultando a corrupção sob sua fachada angelical.
"O Retrato de Dorian Gray", ironicamente, não replicou nas bilheterias o sucesso estrondoso da obra literária de Oscar Wilde que lhe deu origem. A interpretação de Hurd Hatfield no papel principal, considerada apática e desprovida de carisma por muitos, alienou o público da época, apesar das respeitáveis indicações ao Oscar que o filme recebeu por sua fotografia, direção de arte e atriz coadjuvante.
A narrativa cinematográfica opta, em grande medida, por nos contar sobre os eventos e as transformações, em vez de expô-los de forma crua e explícita na tela. Os diálogos, ricos em metáforas e carregados de uma inegável ressonância poética, constroem uma atmosfera densa e profundamente sugestiva. Em termos de ambientação, o filme se revela um deleite visual, beneficiando-se de uma cinematografia em preto e branco de notável nitidez. A câmera desliza com elegância por ruelas de paralelepípedos envoltas em névoa espectral e espreita o interior de opulentas mansões da alta sociedade, capturando a essência sombria e decadente da história. A indicação ao Oscar de Melhor Fotografia foi, portanto, merecidamente conquistada.
"O Retrato de Dorian Gray" exibe uma estilização visual marcante, com seus cenários meticulosamente concebidos. O design de produção, particularmente a suntuosa residência londrina de Dorian, demonstra um requinte, uma vastidão e uma magnificência impressionantes, refletindo a opulência e o crescente isolamento do protagonista. Em contraste, as ruas úmidas e desoladas dos bairros mais pobres de Londres emergem como áreas sombrias e desprovidas, palcos urbanos perfeitamente sinistros para a prática de atos malévolos.
A fotografia de Harry Stradling, que havia colaborado com Alfred Hitchcock poucos anos antes, evoca um terror arrepiante que se esconde por trás de cada luz bruxuleante e de cada abajur que oscila nas sombras. O uso da música por Herbert Stothard no filme é característico do período, com uma orquestração rica em cordas e metais, integrando material temático de Frédéric Chopin e Ludwig van Beethoven, habilmente entrelaçado com melodias originais que intensificam a carga emocional da narrativa.
Hurd Hatfield confere uma estranha e enigmática aura a Dorian Gray. Embora o ator consiga transmitir a altivez e a arrogância inerentes à sua classe social, sua notável falta de expressividade facial entra em dissonância com sua ostensiva paixão pelo luxo e, crucialmente, falha em comunicar ao espectador a turbulência interior que dilacera o personagem – um elemento fundamental para a força dramática da trama. A representação de Dorian aqui assume um caráter mais assustador e distante, assemelhando-se ao comportamento de muitos dos monstros clássicos do cinema da época.
Em direção ao clímax da narrativa, ocorre uma transição cromática impactante: o filme abandona o monocromático e mergulha no tecnicolor para realçar uma revelação crucial do retrato de Dorian. Essa escolha estilística, embora considerada ousada e eficaz por alguns, pode ser interpretada por outros como um tanto kitsch ou melodramática para os padrões contemporâneos. Em sua essência, "O Retrato de Dorian Gray" demonstra uma considerável fidelidade à sua fonte literária. Apesar de apresentar problemas de ritmo em alguns momentos, a trilha sonora revela-se absolutamente notável, e a cinematografia, surpreendentemente evocativa para a época.
Em última análise, "O Retrato de Dorian Gray" de 1945 pode não ser a adaptação mais visceral ou emocionalmente ressonante da obra de Oscar Wilde para o público moderno. A atuação de Hurd Hatfield, embora intencional em sua estranheza, pode alienar alguns espectadores que buscam uma representação mais expressiva da angústia interior do protagonista. No entanto, o filme oferece uma atmosfera gótica e decadente ricamente construída, uma cinematografia em preto e branco deslumbrante e uma trilha sonora envolvente que capturam a essência sombria da narrativa. Se você aprecia o cinema clássico, a estilização visual marcante e uma adaptação que prioriza a atmosfera e os diálogos poéticos em detrimento de uma exploração psicológica profunda, "O Retrato de Dorian Gray" ainda possui um charme inegável e merece ser conferido como um artefato cinematográfico de sua época. Contudo, se você busca uma representação mais visceral da luta interna de Dorian e um ritmo narrativo mais dinâmico, talvez outras adaptações da obra literária atendam melhor às suas expectativas.
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