Carrie, a Estranha (1978) Vale a Pena Assistir?
- Vinicius Monteiro
- 11 de fev. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: há 1 dia
Você consegue se lembrar daquele sentimento sufocante de ser um estranho, de não pertencer? "Carrie, a Estranha" não apenas evoca essa sensação, mas a transforma em uma experiência visceral e perturbadora. Prepare-se para testemunhar a fragilidade da sanidade e a explosão devastadora de uma alma marginalizada.
No isolamento quase absoluto de seu lar, Carrie White (interpretada com uma intensidade que nos perturba por Sissy Spacek) é uma figura à margem, desconectada dos laços sociais que moldam a vida de seus pares. Sua existência é definida pela presença opressora de Margareth (a visceral Piper Laurie), sua mãe, uma fervorosa pregadora religiosa cuja sanidade se esvai a cada prece. A inocência forçada e a falta de informação expõem Carrie ao escárnio cruel de suas colegas durante um momento íntimo e aterrorizante no chuveiro, quando a manifestação de sua primeira menstruação é erroneamente interpretada como um presságio de morte. A consternação de uma professora diante da ignorância da jovem ecoa o abismo intransponível entre Carrie e o mundo ao seu redor. Movida por um remorso genuíno, Sue Snell (a empática Amy Irving), uma das instigadoras da zombaria inicial, convence Tommy Ross (o charmoso William Katt), seu namorado e um aluno popular, a convidar Carrie para o tão aguardado baile escolar. Contudo, a rancorosa Chris Hargenson (a astuta Nancy Allen), banida da festividade como punição por sua maldade, trama uma vingança nefasta, urdindo uma humilhação pública para Carrie. Seus algozes sequer imaginam a extensão dos poderes paranormais latentes na jovem e, muito menos, a fúria vingativa que a consome quando submetida ao ridículo e à humilhação.
A direção de Brian De Palma em "Carrie, a Estranha" inevitavelmente suscita um debate sobre a ostentação de recursos estilísticos. O cineasta demonstra uma inclinação a explorar uma vasta gama de técnicas – câmera lenta, tela dividida, longas tomadas e um excesso de foco suave – por vezes sem uma clara necessidade narrativa. Confesso que a sobreposição de tais artifícios frequentemente me distancia da imersão na história, e neste filme em particular, essa abordagem, em alguns momentos, soou mais como uma exibição de habilidades do que um serviço à narrativa.
Entretanto, ao transpor para a tela o aclamado best-seller homônimo de Stephen King, "Carrie, a Estranha" revela uma inteligente simbiose entre esses recursos e um roteiro de considerável profundidade. O resultado é um filme que transcende o mero terror superficial, imergindo em uma atmosfera perturbadora que explora com sucesso a raiva reprimida e a angústia visceral inerente à experiência adolescente. Surpreendentemente, a película incorpora um humor sutilmente inquietante, que paradoxalmente intensifica seu poder e lhe confere um impacto emocional que, de outra forma, poderia faltar à narrativa.
A performance de Sissy Spacek como a atormentada Carrie White é, compreensivelmente, celebrada como um dos pilares do filme. Contudo, minha apreciação da atuação da atriz neste caso específico possui nuances. A fixidez de seus olhos arregalados e a maturidade visível da atriz – que contava com 27 anos durante as filmagens – conferem à sua interpretação um tom por vezes exagerado e deslocado, quase beirando o caricato em sua representação da inocência oprimida. Não obstante, é inegável que Spacek transmite com uma intensidade palpável a dor lancinante de Carrie e seu anseio desesperado por aceitação, mesmo que sua entrega, para mim, oscile entre a vulnerabilidade e a artificialidade.
Sob uma perspectiva crítica, considerando que "Carrie, a Estranha" é uma obra sobre personagens femininas concebida e dirigida inteiramente por homens, por vezes a narrativa assume um tom distante e até mesmo voyeurístico. Há momentos em que se evoca a incômoda sensação de que Stephen King e Brian De Palma estariam espiando furtivamente através de uma fresta, construindo uma imagem de adolescentes esguias como seres estranhos e enigmáticos, filtrada por suas próprias projeções e fantasias masculinas. Essa lente masculina, ainda que talvez não intencional, adiciona uma camada de estranhamento à experiência para um espectador contemporâneo.
Em última análise, a interpretação de Brian De Palma do material original de Stephen King demonstra sua relevância, e "Carrie, a Estranha" configura-se como uma adaptação cinematográfica competente e, inegavelmente, influente no gênero do terror psicológico. O filme se estabelece como uma obra mais inquietante do que propriamente assustadora, cujo potencial de horror visceral é, em certa medida, modulado por uma estética que flerta com o melodrama adolescente.
Se vale a pena assistir? Sim, com considerações importantes. "Carrie, a Estranha" é um marco do terror que explora temas atemporais como o bullying, a exclusão e a explosão da raiva reprimida com uma intensidade perturbadora. A performance de Sissy Spacek, apesar de minhas ressalvas sobre sua nuance, é inegavelmente icônica. No entanto, prepare-se para uma direção estilisticamente marcante que pode, em alguns momentos, sobrepor-se à narrativa, e para uma perspectiva masculina sobre a feminilidade adolescente que pode soar datada para um público atual. Assista-o como um documento cinematográfico importante, uma exploração da marginalização com elementos sobrenaturais e um precursor de muitas narrativas de terror com protagonistas femininas complexas. Mas esteja ciente de que a visão por trás da câmera carrega as marcas de sua época.
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